Essa semana fomos comunicados sobre o cancelamento de mais uma série com protagonismo LGBT, e eu vim falar sobre o peso disso para mim como uma mulher lésbica.
Mas para entender todo esse peso, é necessário descobrir o que significa as expectativas em torno das séries sáficas (ou lésbicas, como preferirem).
Quando é anunciado a produção de uma série com representatividade, a comunidade se une como um ser só, grupos de Fandom’s se formam, as protagonistas explodem de seguidores, são subidas hashtags, e os fãs se esforçam para manter a audiência da série e mostrar ao canal em questão, que estamos fazendo valer o investimento deles, e tudo parece ir bem, mas só parece mesmo, então vamos voltar algumas casas no que é a mídia em torno do público LGBTQIA+.
Chega aquele momento do ano, vocês sabem do que estou falando, aquele momento que todos os Streaming e todas as empresas (num geral) amam os gays… O famigerado “Mês do Orgulho LGBTQIA+”, e então, logo na virada para o mês em questão, tudo ganha as cores da bandeira LGBT, todos amam os gays, e vemos nossas protagonistas ou co-protagonistas sendo enaltecidas, virando wallpapers, postagens sobre respeito, orgulho e “love is love”.
De cara, temos a HBO, que simplesmente esfrega Gentleman Jack na cara de todos falando das “Esposas” e mostrando sobre o amor entre duas mulheres completamente diferentes e que se completavam, que fizeram o amor vencer em uma época obscura, é tudo o que importa.
A CW começa a mostrar o quanto a relação da Sara e da Ava cresceu ao longo das temporadas, e como nossa Capitã e nossa Co-Capitã comandam a Waverider como mães de um grupo bem bizarro em Legends of Tomorrow (ou Lendas do Amanhã, como você preferir).
A Netflix, vendo aquilo tudo grita: ‘Ei! É romance adolescente que vocês querem e precisam! Jovem gosta de vampiros! Eu dou isso a vocês, peguem aqui First Kill, com o casal Juliette e Calliope que vai mudar vocês e bombar por todoss cantos, além de suas definições de “monstro” serem atualizadas depois que virem o que tenho aqui.
A Amazon, assistindo tudo aquilo, invade o espaço e avisa: eu tenho meninas perdidas em uma ilha, lutando para sobreviver enquanto aprendem sobre si mesmas e sobre o amor, The Wilds tem tudo o que vocês querem sem pesar a mão na fantasia
Eis que CW, que não gosta de ficar pra trás, brada aos ‘4 ventos’: mas eu tenho uma protagonista lésbica e negra que entrou substituindo uma protagonista lésbica e branca, Batwoman tá quebrando tabus!
A Apple Tv, lá de cima de seu pedestal, responde: me poupem desse falatório, criaturas medíocres, a minha protagonista existiu de verdade, Dickinson é literalmente poesia pura.(HBO não reagiu porque estava distraída divulgando o filme do Batman e enaltecendo Euphoria, mas sim, Anne Lister também existiu de verdade e é considerada a primeira lésbica moderna, mas ok.)
A CW (sempre ela), já berrando mais que um bolsominion quando não sabe mais argumentar, interrompe aos berros dizendo que em Raio Negro tem uma mulher negra, lésbica e que tem de fato uma namorada, então eles claramente estão vencendo e são mais “receptivos a comunidade LGBT”.
BBC América revira os olhos e diz que fez o mundo se apaixonar por uma sociopata em Killing Eve, e deu as protagonistas um beijão lindo!(Ela tampa os ouvidos e cantarola quando perguntam do final da série).
Syfy diz que tem o casal mais saudável do mundo gay e pede desculpas por não ter grana para locação e CGI em Wynonna Earp, mas que nada irá separar nosso casal WayHaught, enquanto Freeform se orgulha de ter destruído a cabeça dos fãs fazendo todos amarem e odiarem a Scylla AO MESMO TEMPO em Motherland: Fort Salem.
Ainda é Junho e o mundo é um gigante arco-íris e nós (as gay, caso ainda não tenha ficado claro), curtimos, compartilhamos, fazemos edits, comentamos e criamos fanarts e fanfics em tudo que é humanamente possível, completamente realizadas com a onda de amor enquanto nos sentimos plenas por sermos vistas e representadas, mas tudo que é bom, um dia acaba, e o mês de Junho não é uma exceção…
Voltando um pouco, ainda antes de Junho, Syfy e Freeform entregaram as pontas e cancelaram Wynonna Earp (em 2021, depois de muitas idas e vindas entre cancelamentos e salvações), e deu a série um final lindo e digno, e Motherland (em agosto de 2021) foi anunciado que a série voltaria apenas para uma terceira temporada de despedida, para encerrar o ciclo das nossas bruxas amadas (e odiadas, né?). Essas emissoras, eu e algumas sáficas concordamos em perdoar, afinal as séries só chegavam aos países quando iam para streaming, e isso atrasa a audiência, além do mais são empresas que se preocuparam em encerrar as séries (pelo menos essas, no caso), então ao meu ver merecem um pouco de compreensão.
A CW aproveitou ainda Abril de 2022 e anunciou o cancelamento de Legends of Tomorrow (que estava em sua 7ª temporada), deixando Sara anunciar sua gravidez para Ava e elas e as Lendas encerrarem a temporada sendo presas, sem um final para nossas eternas Lendas. Os fãs começaram a pedir para ser salvo e se puxaram em outro nível dessa vez, colocando outdoor em tudo quanto é canto e até contratando avião para sobrevoar os estúdios com a faixa “#SaveLegendsOfTomorrow”.
Junto nessa leva, CW, já aproveitou cancelou Batwoman (que teve 3 temporadas, uma com a Ruby Rose como protagonista e duas com a Javicia), e Raio Negro (teve 4 temporadas) também entrou no lote (pelo que vi nas midias houve um encerramento, mas não posso afirmar porque não assisti ainda). O motivo alegado para esses cancelamentos? Venda da emissora, corte de custos e baixa audiência (e nós fingimos que não sabemos que Riverdale, Flash e Nancy Drew, todos com protagonismo BRANCO E HETERO, receberam pelo menos mais uma temporada NO MÍNIMO).
BBC América encerrou Killing Eve (em 10 de abril de 2022) depois de 4 temporadas, com um final medíocre que causou profunda revolta nos fãs, mas que eles basicamente ignoraram, e nem vamos falar da Apple TV que cancelou Dickinson em dezembro de 2021.
E é aqui que chegamos no nosso ponto crítico (não que tudo isso não tenha sido, mas vocês entenderam) o ponto onde a postura de alguns canais de streaming foi suja e profundamente desrespeitosa. O ano é 2022, em 10/04 via BBC Londres/Reino Unido, e 25/04 via HBO Max, nossas Esposas finalmente retornaram de um hiato de 3 longos anos, entre a 1ª e a 2ª temporada, sem uma divulgação adequada, Gentleman Jack chega para aquecer o coração das sáficas e entrega tudo e muito mais.
Pouco depois, no dia 6 de maio, a Amazon libera a 2ª temporada de The Wilds, adicionando então um grupo de meninos e dando a eles um tempo de tela maior que o necessário e de forma desorganizada, o que deixou a série cansativa, mas ok, mantivemos a audiência pelas meninas e vimos o nascimento de um sentimento novo e ainda subtendido de outras personagens que não o nosso casal foco.
Chegamos finalmente a junho, e no dia 10 a Netflix libera finalmente First Kill, sem gastar com divulgação já que as sáficas fazem isso por eles, e o brejo todo entra em combustão! Tem beijo lésbico e inter-racial, somos finalmente felizes e pra onde olhamos tem mulher se beijando (só lembrando aqui que a última temporada de Motherland foi lançada em Junho também porque né, viva as gays).
As séries são usadas para mostrar o quanto o streaming/canal amam os gays e o marketing é focado EM NÓS em junho, só pelo like e o engajamento.
CW, que já não tem mais nada gay, esse ano apelou para das canceladas e para Supercorp que foi um queerbaiting doloroso, mostrando os casais que eles mesmos mataram e cancelaram, para cobrir o buraco deixado em 2022. É o que deu pra fazer.
Até que finalmente, acaba junho, e na primeira semana de Julho, uma bomba é lançada nos fandom’s, começando por Gentleman Jack, que é cancelada pela HBO no dia 07/07 (ou por aí, perdoem se não tiver exata as datas). A BBC quer salvar a série, e os fãs se organizam pedindo isso, e é posto em prática um plano de ação bem elaborado envolvendo cartas, e-mails, vídeos e o que mais vocês podem imaginar.
Final de Julho, mais uma rasteira (mal tínhamos levantado das demais, mas ok) no dia 29/07 é anunciado o cancelamento de The Wilds, o que ao meu ver não chegou a ser realmente TÃOOO surpreendente, tendo em vista que a segunda temporada foi difícil de ver de tão ruinzinha, mas ainda assim dói.
E então ontem, dia 02/08 (só para registro sim estou escrevendo isso em 03/08), ontem recebemos um chute na boca do estômago: First Kill, que chegou quebrando tudo no momento que foi lançada, explodindo em dezenas de países, lacrando no Top 10 por semanas, foi cancelada pela Netflix, enquanto alguns portais que afirmam ter acesso a fontes seguras, alegam que o streaming informou que o custo de produção versus o retorno do público, não compensava uma renovação.
Engraçado que os Streaming que cancelaram séries com protagonismo LGBT com essa alegação de baixa audiência ou pouco orçamento, renovaram séries heteros com baixíssima audiência, e esperaram exatamente o fim do mês do orgulho, para cancelar, depois de sugarem tudo o que podiam da comunidade e de ter seus canais enaltecidos, compartilhados e sufocados de likes por nós.
Isso me causa uma sensação de derrota, sabe? De que só merecemos ser vistos em junho, que vale a pena lançar série LGBT para trazer novos assinantes e movimentar as redes sociais, e em seguida nos descartam sem o mínimo de respeito. É errado eu querer ver uma série e me sentir representada? É tão absurdo que eu queira ver o meu tipo de amor na tela?
O ano de 2022 está sendo nocaute atrás de nocaute para a comunidade lésbica principalmente, só nesse ano tivemos 9 cancelamentos de séries com protagonistas LGBT’s (isso só do que eu assisto, fora as outras que eu não acompanho), e olha que loucura! Ainda estamos em pouco mais da metade do ano… ainda tem 5 meses para eles nos quebrarem mais.
Em geral esses cancelamentos para muitos de nós, não é apenas uma série a menos, é uma parte da nossa história sendo calada, é quem nos faz ser vistos, ouvidos, é quem mostra que nós lésbicas amamos, rimos, choramos e erramos exatamente como os casais heteros. Ser apagada, silenciada de forma tão abrupta (porque sim é isso que faz o cancelamento da série) e sem o mínimo de respeito e consideração, dói como um corte.
Aquela série cancelada era o nosso ‘espaço feliz e seguro’, e foi lacrado sem a chance de um adeus digno ou uma despedida que pelo menos coloque um ponto final para acalmar nossos corações.
Agradeço aos canais que nos deram um final, mas lembro a toda a comunidade que independente da luta para salvar uma série acabar não gerando resultados, vocês que fizeram parte desse movimento, mostraram para algumas jovens gays não assumidas, que existe toda uma comunidade que briga pelo que ama, que luta pelos seus (inclusive os fictícios), que tem uma rede de apoio atrás de centenas de milhares de telas, e esses esforços certamente farão o dia de alguém melhor, inclusive das atrizes que deram vida as nossas personagens favoritas e que saberão que o amor demonstrado por elas viverá para sempre em todas nós.
Obrigada por lerem esse desabafo, seguiremos na luta, e até a próxima!